o sol está em touro, júpiter também
e eu sou um taurino a espera de umas risadas e da maré de sorte tão prometida pela astrologia às gentes do meu signo, enquanto lustro meus chifres
e você pode me fazer rir comprando meu livro:
não pretendo parar até que esgote.
1
essa manhã em itajaí: 23 graus celsius, dia chuvoso com céu indeciso. dá pra ver uma tentativa de aparição do sol no horizonte, apesar das nuvens pesadas que vêm do mar. como um todo, o céu está uma bela pintura, cheia de textura e tons de azul e cinza, encoberto por uma névoa falsa que são as gotas de chuva espalhadas pelo vento. comecei o dia com os vídeos de anúncio climático do david lynch na cabeça e um disco do harry nilsson - o aerial ballet - nos ouvidos (antes que perguntem, quero mas não tenho esse vinil - se alguém achar por aí o aerial ballet do harry nilsson, manda o link pra mim, por favor e obrigado - aceito também o vinil do pandemonium shadow show, embora com menos entusiasmo). ouvi o disco de 29 minutos, duas vezes, uma enquanto botava as roupas pra lavar - que não vão secar nunca, o tempo continuando assim - e passava um café e dava ração pra gata. outra vez enquanto comia meu café-da-manhã e fumava meu primeiro cigarro, olhando o tempo pela janela e indeciso se começava a newsletter de hoje - sem saber do que falar, vocês logo perceberão, se ainda não perceberam - ou se lia um pouco antes. decidi por ler um pouco antes, pra ver se me surgia uma ideia.
2
aerial ballet é um álbum difícil de descrever, por ser, superficialmente, tão simples. tem algo de pop barroco, com suas orquestras e excelentes músicos de sessão elaborando os arranjos, e nilsson fazia letras maravilhosas e melancólicas, apesar do tom meio teatro de revista das melodias. ele canta, logo na primeira faixa daddy’s song, que começa com um pianinho animado e sons de uma performance de sapateado, sobre um menino que era tão feliz com o pai, até que o pai desaparece quando ele era ainda muito pequeno. o menino cresce e foge para o circo, até que conhece uma mulher e se casa e tem um filho com ela e ele é muito feliz com o filho, até desaparecer também e dar sequência ao ciclo de abandonos. é um pop anos 1960? é, mas as letras são mais densas do que se costuma ver nesse estilo. particularmente, acho geniais, em um disco de qualidade bastante uniforme, as: daddy’s song, mr. richland’s favorite song (uma historinha bem curiosa sobre o ciclo de vida dos cantores pop), little cowboy (uma canção de ninar que, tematicamente, embala o disco do começo ao fim), mr. tinker (outra história meio surreal sobre as amarguras de um velho alfaiate solitário) e bath (o ato de encerramento, que parece ser sobre uma noite feliz porém vazia num bordel, que literalmente forma um círculo com a primeira faixa e convida o ouvinte a ouvir tudo de novo). você provavelmente já ouviu everybody’s talking (único cover do disco), seja por ter visto o filme midnight cowboy ou durante a programação para pais ausentes de uma estação de rádio “anos dourados” ou na versão do zé ramalho, serpentária, senão na voz do próprio, nas vozes de chitãozinho e xororó.
3
mas eu não consigo ler enquanto ouço músicas com letras, então botei pra tocar o selected ambient works vol. 2, de aphex twin, que é meu disco perfeito pra ler, escrever, qualquer coisa que requeira de mim concentração. desse nunca nem achei um vinil, até porque tem quase 3 horas de duração, está, inclusive, tocando ainda. é um grande compilado de sons mágicos provenientes da mente perturbada de richard d. james - o próprio diz ter composto o álbum durante sonhos lúcidos, mas o próprio adora inventar mentiras sobre si mesmo. (nessa mentira eu até acreditaria, se me importasse ter uma opinião.) difícil descrever os sons. às vezes são como nuvens nas quais podemos flutuar; outras vezes, também, mas tem uma tempestade rolando nessas nuvens. ouçam vocês mesmos, considero o disco boa companhia pra isso aqui. o do nilsson vocês podem ouvir depois, enquanto entram na loja da rizoma e botam meu livro no carrinho e finalizam a compra.
3
mas essa edição da newsletter não era pra ser tão musical nem mesmo uma sequência descarada de autopromoção. eu não sei o que hoje era pra ser. a ideia era começar falando do meu dia e ver aonde isso me levava. enfim, sentei no sofá para ler. primeiro peguei história da solidão e dos solitários, do georges minois, porque quero saber mais sobre a percepção histórica acerca da minha espécie. surpreendentemente legível e, mesmo que eu ainda esteja no começo, na parte sobre a aversão das sociedades greco-romanas pela solidão, e não tenha realmente lido nada novo para mim, estou muito interessado. depois peguei outro afonso cruz, a boneca de kosochka.
4
acabei de ler outro afonso cruz, como acredito já ter mencionado, e nem foi o vamos comprar um poeta, foi o nem todas as baleias voam. eu nunca me imaginei gostando do afonso cruz, porque tem muita coisa no estilo dele que não costuma me agradar. mas é aquela história: não é o que se faz, mas como se faz. com o jeitinho poético dele, às vezes até beirando o clichê, ele nos leva a narrativas muito bem feitas e agradáveis, mesmo quando na verdade elas tratam de temas bem pesados. o das baleias que nem sempre voam, sobre um pianista de jazz recrutado pela cia para passar mensagens pró-estados-unidos à união soviética - baseado em um programa provavelmente real elaborado pela cia. agora, em kosochka, sobre o dono de uma loja de pássaros e um menino judeu que se refugia debaixo do piso da loja dele, durante o bombardeio de dresden. eu não sabia que os livros estavam mais ou menos conectados. baleias é uma sequência mais ou menos independente de kosochka. vários dos personagens que aparecem em um (bonifaz vogel, o dono da loja de pássaros; isaac dresner, o menino judeu que se abriga na loja; tsilia, uma menina que estava presente no bombardeio e que, em baleias, se torna pintora e é casada com isaac) reaparecem no outro. dá pra ler em qualquer ordem e um não necessariamente revela os segredos do outro, o que para mim tiraria a graça de tudo, pois gosto de pontas soltas.
5
estou nessa situação perigosa, sendo kosochka o terceiro livro que leio de afonso cruz em menos de um ano - ainda não terminei, mas pelo andar da carruagem, logo vai acontecer. até porque tenho mais dois do autor aqui na biblioteca, flores e para onde vão os guarda-chuvas? quando me cerco muito das obras de uma pessoa, que por acaso tem um estilo muito específico, logo acabo me cansando dela. até agora não aconteceu, mas eu reconheço meus padrões.
6
estou lendo mais de um livro e meio desapegado de todos eles porque acabei o do nabokov, a verdadeira história de sebastian knight (que chamo de sebastião cavalo). numa edição anterior, falei que nabokov é tão matemático na sua escrita que é difícil ter sentimentos ao ler as obras dele. falei como alguém que só tinha lido lolita até então e lolita exige esse grau de separação. pelo menos, eu precisei ler a coisa como uma arquitetura literária, um jogo complexo entre autor e leitor. sebastião cavalo tem muito disso, mas é um jogo - como eu posso colocar? - menos asqueroso? na verdade, é um livro divertidíssimo, sobre questões de identidade autoral, separação entre autor e obra, um jogo em que verdade e mentira se misturam porque tudo vira mentira quando é posto em texto. o livro é narrado pelo meio-irmão de sebastian, um autor obscuro e recluso, recém-falecido, sobre quem uma biografia (cheia de inverdades, de acordo com o narrador) foi publicada. o narrador, então, se dedica a desmentir a biografia, escrevendo sua versão, essa sim confiável. se você tem vontade de ler nabokov, mas lolita te assusta, sebastian knight é uma boa obra introdutória. é uma bela amostra da genialidade do autor e, ao contrário do que eu imaginava, não é tão distanciada da experiência humana, muito menos artificial apenas por conta dos seus explícitos jogos literários. o livro mistura o estilo das biografias literárias, com vários ensaios sobre a obra fictícia de sebastian, junto a uma narrativa detetivesca, satira do noir, criando um desses mistérios difíceis de largar.
7
bateu a vontade de aprender xadrez de novo. sim, tem um dedo de nabokov nessa vontade, mas me acontece todo o ano. minha cabeça gosta de padrões, só tem muita dificuldade com matemática e estatística. é uma cabeça que não necessariamente entende os padrões dos quais ela gosta. então o xadrez é uma dificuldade imensa pra mim. acontece que um dos livros da minha lista pra esse ano é a vida: modo de usar, do georges perec. eu não sei porque estou atraído por esses mamutes complexos esse ano, mas não estou questionando mais nada. vou dançar conforme a música. e a música diz que é uma boa tentar aprender xadrez antes, pra ver se eu entendo direitinho o velho perec e o tal baile do cavalo que, reza a lenda, movimenta o catatau que é a obra mais famosa dele. pretendo descrever aqui meu progresso nesse aprendizado? não. por hora, basta dizer que venci um jogo de maneira bem burra contra o adversário mais fácil entre os artificiais do chess.com. nem me meti em jogo online ainda, deus me livre de outras pessoas.
8
falando em livros cujo texto beira a artificialidade, tão repleto está de jogos literários e metanarrativas, cheguei na reta final de montevidéu, do enrique vila-matas. mais detalhes numa próxima edição, provavelmente. vila-matas continua um autor complicado pra mim. adoro as ideias dele, mas os livros me são penosos. por um lado, gosto de ter a impressão que ele está me fazendo de palhaço; por outro, ele podia gastar menos páginas me fazendo de palhaço.
9
falando em fazer os outros de palhaço, essa newsletter, com essa de postar toda semana, está crescendo aos poucos. quem diria que não sumir por meses atrai leitores? eu nunca imaginaria… dito isso, o substack só me indica coisa bizarra. aceito sugestões de leitura, pra ver se educo o site melhor - por enquanto, só 3 newsletters me interessaram por aqui e já estão entre as minhas sugestões. é raro, mas às vezes vejo o notes e cruz credo. noutro dia, vi um sujeitinho desagradável (gringo, evidentemente) postar sobre como a arte renascentista é superior à arte moderna. abro as respostas e lá havia mais um antro de sujeitinhos desagradáveis aplaudindo a asneira, inclusive alguns perfis de extrema-direita (não bastasse esse lugar estar abrigando a pior classe de ser humano: o comediante stand-up). agora liberaram vídeos e já tem gente postando símiles pseudointelectuais de tiktoks. está ficando insalubre, mas pretendo ser teimoso, como manda meu signo. só preciso lavar as mãos. me ajudem a me salvar dos publiças e dos intelectuais classicistas de bueiro - também me recuso a ler gente publicada por grandes editoras, essa gente já recebe suficiente atenção.
10
agora preciso da opinião de quem lê isso aqui. tem gente nova aparecendo, silenciosamente - seria bom se falassem, mas vida que segue. estou nessa de escrever na internet desde 2011 - não há registro de nada anterior a 2014, provavelmente, fiz o devido expurgo da juvenilia, mas tenho um acervo amplo espalhado por aí. estou querendo dedicar as quartas a uma retrospectiva. vou catar um texto desse acervo e jogar aqui. parece válido? duas edições por semana é forçar a amizade? respondam, por gentileza, vocês que chegaram até aqui.
linktree com meu livro, um e-book, uma rede social largada às traças, essas obrigatoriedades...