porque ultimamente as ideias me têm vindo em prosa e não sou de forçar verso.
boa noite. hoje é 8 de maio de 2024. amanheceu numa temperatura agradável, aí foi esquentando, abafando, aquele clima de sauna ao ar livre mesmo, que aliviou agora que o sol se pôs.
eu falei que ia resgatar velharias pra postar duas vezes por semana, então aqui vai, uma seleção de quatro poemas escritos entre 2013 e 2016, que são tão velhos, a postagem de retrospectiva é de uma retrospectiva que eu fiz em 2017, no meu empoeirado wordpress. espero que os poemas te deem alegria e prazer:
Walt esteve aqui
noutro dia, Walt Whitman caminhava
pela calçada. juro por deus,
ele tinha a barba e tudo mais,
até a roupa formal fora de época
e o chapéu.
não deve ter tido tempo
de se acostumar às modernidades.
passeava tranquilo, olhando os arredores.
viu uma placa de restaurante e decidiu entrar,
era hora do almoço.
queria ter pedido pra que ele recitasse
qualquer coisa das Folhas de Relva,
se ele ainda lembrasse,
naquele frio final de manhã, no outono,
mas não quis incomodar,
ressuscitar já é trabalho o suficiente.
observações noturnas
ladrilhos vermelhos formam círculos no calçadão sob a lua, é meia noite, uma família passeia a passos lentos deixando o filho chutar balões de gás coloridos presos por barbante. não não vai tão longe volta aqui isso. borracha risca e sobe e desce e bate no chão de pedra, as portas de ferro pichadas das lojas fechadas observam em silêncio,
até as bicicletas, uma vagarosa com um casal de idosos agarrados um ao outro, trêmulos, outras duas levam adolescentes apostando corrida, aproveitando o espaço vazio, a uma ziguezagueia que quase tomba, as outras zunem pela mise en scène. mariposas tolas circulando as luzes. outro casal, parado, um nos braços do outro contemplando as estrelas que a cidade ainda permite visíveis. as bexigas seguem quicando para que o menino ria encoberto pelo sorriso dos pais. nenhum carro passa, ninguém fala mais nada.
mão amiga
a abstração da poesia
é uma pessoa pendurada
no penhasco com
uma das mãos estendida
fingindo não precisar de ajuda.
das coisas que se perdem no tempo
quem irá dançar
as melodias dos músicos mortos
cujas partituras viraram poeira?
quem irá cantar
suas letras compostas
em língua morta?
notas enterradas pelo tempo
história sem registro
passado sem memória.